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domingo, 20 de julho de 2014

À Descoberta da Serra de Montejunto

Um excelente artigo publicado no Jornal Area Oeste, www.areaoeste.com e cedido pela sua autora, num belo convite

À Descoberta da Serra de Montejunto
Isabel Pereira Rosa

Chegada ao Cadaval
Escolha um dia límpido, luminoso, de céu azul, na Primavera, no Verão, ou mesmo no Outono, se é amante das cores outonais. Se utilizar a A8, quer venha do norte ou do sul, saia no Bombarral e rume em direcção ao Cadaval. São cerca de 8 kms, pela estrada nacional. Nesta simpática vila, situada a norte de Lisboa e a cerca de 80 kms da capital, se não for fim-de-semana, aproveite para visitar o Museu Municipal do Cadaval, que mostra a evolução do território desde os tempos mais antigos (a vila foi criada por D. Fernando em 1371, mas a povoação já existia anteriormente), até aos mais recentes, num percurso que abrange a Paleontologia, a Arqueologia, a História e o património cultural, e ainda o Núcleo Museológico do Moinho das Castanholas, um dos 36 antigos moinhos de armação metálica do concelho, desativado em 1995 e adquirido pela Câmara, como equipamento cultural e educativo, abordando o trabalho dos moleiros e o ciclo do pão, de forma pedagógica. Quase ao lado, encontra-se a moderna e bem guarnecida Biblioteca Municipal do Cadaval e, um pouco mais acima, a Adega Cooperativa do Cadaval, onde pode adquirir, entre outras, algumas garrafas do excelente vinho leve Confraria Moscatel Branco, ideal para um piquenique. Digna de visita é também a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, que contém pinturas do século XVI e azulejos do século XVIII.
De saída, em direcção à Serra, faça uma paragem na Cooperativa Agrícola dos Fruticultores do Cadaval e compre, a preço acessível, um cesto de pêra rocha, ex-libris da zona oeste. Depois, pode seguir directamente para a Serra de Montejunto, passando por Casal Cabreiro, Chão do Sapo, Charco e Pragança, onde pode ver o Castro, que, de acordo com o arqueólogo Leonel Ribeiro, “deu à ciência um riquíssimo espólio lusitano-romano”. Citando ainda Leonel Ribeiro, “a constituição geológica do concelho é uma grande e rica página da História da Terra, pois estão representadas na superfície concelhia, como que em folhas de um livro, as principais formações jurássicas e cretácicas da Era Secundária e a maior parte das formações da Era Terciária, desde o manto basáltico da Serra de Alguber, encaixado no Jurássico superior ou no Mioceno lacustre, até aos terraços quaternários e aluviões recentes”.
            Se vier pela A1, deverá entrar no concelho pelo Cercal, a cerca de 8 kms de Pragança e a 13 kms do Cadaval.
A Serra
Elevando-se a 666 metros de altitude acima do nível médio do mar, a Serra de Montejunto, também conhecida por Serra da Neve, é uma estrutura geológica com 15 quilómetros de comprimento e 7 quilómetros de largura, integrando os concelhos de Cadaval e Alenquer e fazendo parte do alinhamento montanhoso do maciço calcário estremenho. A sua geometria feminina já lhe valeu o epíteto de “Serra-Mãe”. Nos seus pontos mais altos, é possível observar todo o vale do Tejo e a costa desde Sintra à Nazaré; nos dias mais límpidos, vêem-se com nitidez as Berlengas, os campos, as vinhas, os pomares, as casas de aldeias, vilas e cidades, cada vez mais pequeninas, até se tornarem pontos minúsculos e se perderem no brilho do mar.
As suas numerosas grutas e algares contêm testemunhos importantes da evolução geológica e biológica da Terra, desde tempos pré-históricos; por ser difícil e perigosa, a visita a alguns destes locais só deverá ser feita na companhia de especialistas, estando a sua exploração quase exclusivamente reservada a espeleólogos.
   A Serra de Montejunto foi classificada Área de Paisagem Protegida em 1999 e Sítio da Rede Natura 2000 (lista europeia de sítios de interesse para a conservação da natureza).
Flora e Fauna
A sua superfície já foi um extensíssimo manto verde, que as chamas parcialmente ceifaram. Estas são algumas das espécies vegetais que se podem observar: pinheiro manso; pinheiro bravo; pinheiro de alepo; castanheiro; urze; carrasco; azinheira; alecrim; murta; carvalho; sobreiro; medronheiro; rosmaninho; tomilho. Quanto à fauna, a Serra é habitada por uma grande quantidade de mamíferos, sendo os seguintes os mais significativos: ouriço caixeiro; musaranho jardineiro; musaranho doméstico; musaranho anão; toupeira; rato da serra; rato toupeiro; raposa; texugo; doninha; gineto; gato bravo. Existem também várias espécies de morcegos e grande diversidade avifaunística, sendo de referir, entre outras, as seguintes espécies: águia calçada; águia caçadeira; peneireiro-cinzento; falcão peregrino; rouxinol bravo; açor; bufo real.         
Monumentos Históricos e Outros Pontos de Interesse
Saindo de Pragança e subindo em direcção à Serra, a primeira referência vai para o já atrás mencionado Castro, situado no alto de um cabeço rochoso calcário, que tem sido alvo de diversas escavações e cujo espólio, proveniente de ocupações desde o Paleolítico, se encontra distribuído por diversos museus. Um pouco mais afastados deste percurso, existem ainda na zona os Castros de São Salvador e Rocha Forte, perto das povoações com os mesmos nomes. Passará pela Penha do Meio Dia, uma falésia calcária, onde é frequente verificar-se a prática da escalada; um pouco mais acima, encontrará a Cruz Salvé Rainha, o primeiro miradouro natural onde poderá parar para apreciar a magnífica paisagem. Continuando a subir, em direcção à Quinta da Serra, chegará ao Areeiro, um pequeno casal com algumas casas. Depois de passar pela esquerda do Centro Operacional Aéreo Alternativo de Montejunto, chegará ao Parque de Campismo. Aí, é local de paragem obrigatória. Se for Verão e tiver sede, pode começar por beber um refresco no Bar da Serra, um pouco mais à frente, que se encontra aberto todos os dias nessa estação do ano. Nas restantes estações, abre apenas aos fins-de-semana, embora, de momento, se encontre temporariamente encerrado. No bar, poderá comer, entre outras refeições ligeiras, uma deliciosa tosta mista; se tiver frio, peça uma mantinha, que lá estará ao seu dispor. Se preferir fazer um piquenique, está no sítio certo; junto do bar, encontra-se o Parque das Merendas, na Mata dos Castanheiros. Se a temperatura for agradável e decidir passar lá a tarde, pode ter a oportunidade de assistir a um bom espectáculo de música ao vivo, no Bar da Serra, enquanto as crianças brincam no parque infantil, ali mesmo ao lado. Junto do parque de campismo, pode visitar o Centro de Interpretação Ambiental, sediado numa antiga casa de guarda-florestal, onde pode ver a exposição permanente e obter informações sobre os trilhos e circuitos para percorrer a serra a pé, a cavalo ou de bicicleta.
Atravessando o Parque das Merendas, poderá visitar a Real Fábrica do Gelo, classificada pela Direcção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais como Património Arqueológico Nacional, onde, no século XVIII, era fabricado o gelo que abastecia a corte e, posteriormente, vários cafés da baixa lisboeta. É constituída por dois poços, um tanque principal para receber a água, 44 tanques rasos, onde se realizava a congelação, e um edifício para armazenamento e conservação do gelo, o qual era envolto em palha e serapilheira e transportado em carros de bois até às margens do Rio Tejo, sendo o resto do percurso efectuado de barco.
Por trás da Fábrica do Gelo, encontra-se um forno de cal tradicional.
            Subindo até ao topo da Serra, chegará à Ermida de Nossa Senhora das Neves, edificada no século XIII pelos frades dominicanos, cujo altar-mor é construído em mármore. Ao lado, encontram-se as ruínas do convento da Ordem dos Dominicanos, fundado na mesma época.
Ao século XIII remonta também a Ermida de S. João, que fica no ponto mais alto da Serra, junto à extrema que separa os concelhos de Cadaval e Alenquer, e cujo interior é revestido de azulejos, com temas da vida de S. João Baptista. Dos monumentos referidos, este é o único que pertence ao concelho de Alenquer, mais especificamente a Cabanas de Torres.
Festas e Romarias
A principal festa que se realiza na Serra de Montejunto é a de Nossa Senhora das Neves, que tem lugar, anualmente, a 5 de Agosto. Esta romaria atrai à Serra gente dos concelhos de Cadaval, Alenquer, Torres Vedras e outros, incluindo muitos emigrantes que se encontram na zona nesta época do ano. Inclui missa na Ermida, procissão, actuação da Banda Filarmónica de Pragança e uma pequena feira, num misto de religioso e profano. Muitas famílias aproveitam também para fazerem um piquenique e passarem o dia na Serra. À noite, a festa continua em Pragança, com o arraial.
A festa em homenagem a S. João Baptista realiza-se a 24 de Junho e consiste em missa, procissão e almoço, sendo muito menos frequentada do que a que se realiza em honra de Nossa Senhora das Neves.
Além das festas anuais, tornou-se frequente a utilização do Parque das Merendas e do Bar da Serra para outras celebrações: reuniões familiares ou de amigos, mega-almoços de grupos diversos, confraternização entre idosos residentes em lares, concentrações de escuteiros, retiros para meditação ou, simplesmente, para celebrar a beleza da natureza e usufruir de algumas horas de tranquilidade e ar puro.
Dignos de menção são também os “Cantos de Inverno”; perdida a tradição das “Janeiras”, cantares que se realizavam a 1 de Janeiro, nas praças principais de algumas povoações, continua bem vivo o “Cantar dos Reis”, sobretudo na aldeia do Pereiro, onde assume o carácter de principal festa anual nesta povoação, situada nas faldas da Serra. A ela acorrem centenas de pessoas, na Noite de Reis, para assistirem aos cantares alusivos à quadra, de porta em porta, e à realização das pinturas nas paredes. Muitas das casas da povoação têm as portas abertas e as mesas recheadas, para quem se quiser servir.
Crenças populares
            Entre as populações locais, existe a crença de que, comunicando entre as cavidades naturais da Serra, existe um braço de mar, havendo habitantes das povoações mais próximas que afirmam ouvir, por vezes, o ruído da água.
            Existem também diversas lendas acerca da existência de tesouros escondidos na serra pelos mouros, bem como histórias sobre mouras encantadas, que aparecem aos homens durante a noite.
            Lobisomens, metade homem, metade lobo, ou metade burro, são homens enfeitiçados e sofredores, que, de acordo com o imaginário local, se transformam nesses seres híbridos à meia-noite, aparecendo em lugares ermos aos viajantes, os quais, segundo alguns relatos, talvez devido à falta de luz, os viram como seres difusos, de difícil descrição.
             Embora estas crenças e outras do mesmo tipo tendam a desaparecer e existam sobretudo em pessoas idosas, ainda existem na região relatos, feitos por gente mais nova, de casos de mau-olhado e quebranto, como causas de infelicidade e de doenças, sobretudo infantis, por malquerença de vizinhos malévolos; para obterem prescrições adequadas a tais casos, recorrem a bruxas ou curandeiros.
O Regresso
Chegada a hora do regresso, pode utilizar o mesmo percurso, em sentido inverso, ou descer a Serra em direcção a Vila Verde dos Francos. Se quiser chegar à A1, pode virar à esquerda nesta povoação e seguir para o Carregado, passando por Alenquer. Se for para a A8, vire à direita e dirija-se ao Vilar, donde pode seguir para Outeiro da Cabeça, a cerca de 7 kms.
Última sugestão, antes da partida: uma visita ao CRASM – Centro de Recuperação de Animais Selvagens de Montejunto, no lugar da Tojeira, a 4 kms do Vilar (virando à direita nesta povoação e passando por Avenal e Pereiro). Para tal, deverá ter previamente contactado o Centro, através do número de telemóvel 927986193. Trata-se de um “hospital” para animais, criado pela Quercus e pela Junta de Freguesia de Vilar, destinado a recuperar aves e outros animais da fauna portuguesa, sendo depois libertados em sítios onde possam sobreviver sem a ajuda humana.
Agora que já conhece um pouco das maravilhas do Montejunto, convide a família ou os amigos e sejam todos muito bem-vindos.






                        

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