Um excelente artigo publicado no Jornal Area Oeste, www.areaoeste.com e cedido pela sua autora, num belo convite
À Descoberta da
Serra de Montejunto
Isabel
Pereira Rosa
Chegada ao
Cadaval
Escolha um dia límpido, luminoso, de céu
azul, na Primavera, no Verão, ou mesmo no Outono, se é amante das cores
outonais. Se utilizar a A8, quer venha do norte ou do sul, saia no Bombarral e rume
em direcção ao Cadaval. São cerca de 8 kms, pela estrada nacional. Nesta
simpática vila, situada a norte de Lisboa e a cerca de 80 kms da capital, se
não for fim-de-semana, aproveite para visitar o Museu Municipal do Cadaval, que
mostra a evolução do território desde os tempos mais antigos (a vila foi criada
por D. Fernando em 1371, mas a povoação já existia anteriormente), até aos mais
recentes, num percurso que abrange a Paleontologia, a Arqueologia, a História e
o património cultural, e ainda o Núcleo Museológico do Moinho das Castanholas,
um dos 36 antigos moinhos de armação metálica do concelho, desativado em 1995 e
adquirido pela Câmara, como equipamento cultural e educativo, abordando o
trabalho dos moleiros e o ciclo do pão, de forma pedagógica. Quase ao lado,
encontra-se a moderna e bem guarnecida Biblioteca Municipal do Cadaval e, um
pouco mais acima, a Adega Cooperativa do Cadaval, onde pode adquirir, entre
outras, algumas garrafas do excelente vinho leve Confraria Moscatel Branco,
ideal para um piquenique. Digna de visita é também a Igreja de Nossa Senhora da
Conceição, que contém pinturas do século XVI e azulejos do século XVIII.
De saída, em direcção à Serra, faça uma
paragem na Cooperativa Agrícola dos Fruticultores do Cadaval e compre, a preço
acessível, um cesto de pêra rocha, ex-libris da zona oeste. Depois, pode seguir
directamente para a Serra de Montejunto, passando por Casal Cabreiro, Chão do
Sapo, Charco e Pragança, onde pode ver o Castro, que, de acordo com o
arqueólogo Leonel Ribeiro, “deu à ciência um riquíssimo espólio
lusitano-romano”. Citando ainda Leonel Ribeiro, “a constituição geológica do
concelho é uma grande e rica página da História da Terra, pois estão
representadas na superfície concelhia, como que em folhas de um livro, as
principais formações jurássicas e cretácicas da Era Secundária e a maior parte
das formações da Era Terciária, desde o manto basáltico da Serra de Alguber,
encaixado no Jurássico superior ou no Mioceno lacustre, até aos terraços
quaternários e aluviões recentes”.
Se
vier pela A1, deverá entrar no concelho pelo Cercal, a cerca de 8 kms de
Pragança e a 13 kms do Cadaval.
A Serra
Elevando-se a 666 metros de altitude
acima do nível médio do mar, a Serra de Montejunto, também conhecida por Serra
da Neve, é uma estrutura geológica com 15 quilómetros de comprimento e 7
quilómetros de largura, integrando os concelhos de Cadaval e Alenquer e fazendo
parte do alinhamento montanhoso do maciço calcário estremenho. A sua geometria
feminina já lhe valeu o epíteto de “Serra-Mãe”. Nos seus pontos mais altos, é
possível observar todo o vale do Tejo e a costa desde Sintra à Nazaré; nos dias
mais límpidos, vêem-se com nitidez as Berlengas, os campos, as vinhas, os
pomares, as casas de aldeias, vilas e cidades, cada vez mais pequeninas, até se
tornarem pontos minúsculos e se perderem no brilho do mar.
As suas numerosas grutas e algares contêm
testemunhos importantes da evolução geológica e biológica da Terra, desde
tempos pré-históricos; por ser difícil e perigosa, a visita a alguns destes locais
só deverá ser feita na companhia de especialistas, estando a sua exploração
quase exclusivamente reservada a espeleólogos.
A Serra de Montejunto foi classificada Área de Paisagem Protegida em
1999 e Sítio da Rede Natura 2000 (lista europeia de sítios de interesse para a
conservação da natureza).
Flora
e Fauna
A sua superfície já foi um extensíssimo
manto verde, que as chamas parcialmente ceifaram. Estas são algumas das
espécies vegetais que se podem observar: pinheiro manso; pinheiro bravo; pinheiro
de alepo; castanheiro; urze; carrasco; azinheira; alecrim; murta; carvalho;
sobreiro; medronheiro; rosmaninho; tomilho. Quanto à fauna, a Serra é habitada
por uma grande quantidade de mamíferos, sendo os seguintes os mais
significativos: ouriço caixeiro; musaranho jardineiro; musaranho doméstico;
musaranho anão; toupeira; rato da serra; rato toupeiro; raposa; texugo; doninha;
gineto; gato bravo. Existem também várias espécies de morcegos e grande
diversidade avifaunística, sendo de referir, entre outras, as seguintes
espécies: águia calçada; águia caçadeira; peneireiro-cinzento; falcão
peregrino; rouxinol bravo; açor; bufo real.
Monumentos
Históricos e Outros Pontos de Interesse
Saindo de Pragança e subindo em direcção
à Serra, a primeira referência vai para o já atrás mencionado Castro, situado
no alto de um cabeço rochoso calcário, que tem sido alvo de diversas escavações
e cujo espólio, proveniente de ocupações desde o Paleolítico, se encontra
distribuído por diversos museus. Um pouco mais afastados deste percurso,
existem ainda na zona os Castros de São Salvador e Rocha Forte, perto das
povoações com os mesmos nomes. Passará pela Penha do Meio Dia, uma falésia
calcária, onde é frequente verificar-se a prática da escalada; um pouco mais
acima, encontrará a Cruz Salvé Rainha, o primeiro miradouro natural onde poderá
parar para apreciar a magnífica paisagem. Continuando a subir, em direcção à
Quinta da Serra, chegará ao Areeiro, um pequeno casal com algumas casas. Depois
de passar pela esquerda do Centro Operacional Aéreo Alternativo de Montejunto, chegará
ao Parque de Campismo. Aí, é local de paragem obrigatória. Se for Verão e tiver
sede, pode começar por beber um refresco no Bar da Serra, um pouco mais à
frente, que se encontra aberto todos os dias nessa estação do ano. Nas
restantes estações, abre apenas aos fins-de-semana, embora, de momento, se
encontre temporariamente encerrado. No bar, poderá comer, entre outras
refeições ligeiras, uma deliciosa tosta mista; se tiver frio, peça uma
mantinha, que lá estará ao seu dispor. Se preferir fazer um piquenique, está no
sítio certo; junto do bar, encontra-se o Parque das Merendas, na Mata dos Castanheiros.
Se a temperatura for agradável e decidir passar lá a tarde, pode ter a
oportunidade de assistir a um bom espectáculo de música ao vivo, no Bar da
Serra, enquanto as crianças brincam no parque infantil, ali mesmo ao lado. Junto
do parque de campismo, pode visitar o Centro de Interpretação Ambiental, sediado
numa antiga casa de guarda-florestal, onde pode ver a exposição permanente e
obter informações sobre os trilhos e circuitos para percorrer a serra a pé, a
cavalo ou de bicicleta.
Atravessando o Parque das Merendas, poderá
visitar a Real Fábrica do Gelo, classificada pela Direcção-Geral de Edifícios e
Monumentos Nacionais como Património Arqueológico Nacional, onde, no século
XVIII, era fabricado o gelo que abastecia a corte e, posteriormente, vários
cafés da baixa lisboeta. É constituída por dois poços, um tanque principal para
receber a água, 44 tanques rasos, onde se realizava a congelação, e um edifício
para armazenamento e conservação do gelo, o qual era envolto em palha e
serapilheira e transportado em carros de bois até às margens do Rio Tejo, sendo
o resto do percurso efectuado de barco.
Por trás da Fábrica do Gelo, encontra-se
um forno de cal tradicional.
Subindo
até ao topo da Serra, chegará à Ermida de Nossa Senhora das Neves, edificada no
século XIII pelos frades dominicanos, cujo altar-mor é construído em mármore.
Ao lado, encontram-se as ruínas do convento da Ordem dos Dominicanos, fundado
na mesma época.
Ao século XIII remonta também a Ermida
de S. João, que fica no ponto mais alto da Serra, junto à extrema que separa os
concelhos de Cadaval e Alenquer, e cujo interior é revestido de azulejos, com
temas da vida de S. João Baptista. Dos monumentos referidos, este é o único que
pertence ao concelho de Alenquer, mais especificamente a Cabanas de Torres.
Festas e
Romarias
A principal festa que se realiza na
Serra de Montejunto é a de Nossa Senhora das Neves, que tem lugar, anualmente, a
5 de Agosto. Esta romaria atrai à Serra gente dos concelhos de Cadaval,
Alenquer, Torres Vedras e outros, incluindo muitos emigrantes que se encontram
na zona nesta época do ano. Inclui missa na Ermida, procissão, actuação da
Banda Filarmónica de Pragança e uma pequena feira, num misto de religioso e
profano. Muitas famílias aproveitam também para fazerem um piquenique e
passarem o dia na Serra. À noite, a festa continua em Pragança, com o arraial.
A festa em homenagem a S. João Baptista
realiza-se a 24 de Junho e consiste em missa, procissão e almoço, sendo muito
menos frequentada do que a que se realiza em honra de Nossa Senhora das Neves.
Além das festas anuais, tornou-se
frequente a utilização do Parque das Merendas e do Bar da Serra para outras
celebrações: reuniões familiares ou de amigos, mega-almoços de grupos diversos,
confraternização entre idosos residentes em lares, concentrações de escuteiros,
retiros para meditação ou, simplesmente, para celebrar a beleza da natureza e
usufruir de algumas horas de tranquilidade e ar puro.
Dignos de menção são também os “Cantos
de Inverno”; perdida a tradição das “Janeiras”, cantares que se realizavam a 1
de Janeiro, nas praças principais de algumas povoações, continua bem vivo o
“Cantar dos Reis”, sobretudo na aldeia do Pereiro, onde assume o carácter de
principal festa anual nesta povoação, situada nas faldas da Serra. A ela
acorrem centenas de pessoas, na Noite de Reis, para assistirem aos cantares
alusivos à quadra, de porta em porta, e à realização das pinturas nas paredes.
Muitas das casas da povoação têm as portas abertas e as mesas recheadas, para
quem se quiser servir.
Crenças
populares
Entre as populações locais, existe a
crença de que, comunicando entre as cavidades naturais da Serra, existe um
braço de mar, havendo habitantes das povoações mais próximas que afirmam ouvir,
por vezes, o ruído da água.
Existem também diversas lendas acerca
da existência de tesouros escondidos na serra pelos mouros, bem como histórias
sobre mouras encantadas, que aparecem aos homens durante a noite.
Lobisomens, metade homem, metade
lobo, ou metade burro, são homens enfeitiçados e
sofredores, que, de acordo com o imaginário local, se transformam nesses seres híbridos
à meia-noite, aparecendo em lugares ermos aos viajantes, os quais, segundo
alguns relatos, talvez devido à falta de luz, os viram como seres difusos, de
difícil descrição.
Embora estas crenças e outras do mesmo tipo
tendam a desaparecer e existam sobretudo em pessoas idosas, ainda existem na
região relatos, feitos por gente mais nova, de casos de mau-olhado e quebranto,
como causas de infelicidade e de doenças, sobretudo infantis, por malquerença
de vizinhos malévolos; para obterem prescrições adequadas a tais casos,
recorrem a bruxas ou curandeiros.
O Regresso
Chegada
a hora do regresso, pode utilizar o mesmo percurso, em sentido inverso, ou
descer a Serra em direcção a Vila Verde dos Francos. Se quiser chegar à A1,
pode virar à esquerda nesta povoação e seguir para o Carregado, passando por
Alenquer. Se for para a A8, vire à direita e dirija-se ao Vilar, donde pode
seguir para Outeiro da Cabeça, a cerca de 7 kms.
Última sugestão, antes da partida: uma
visita ao CRASM – Centro de Recuperação de Animais Selvagens de Montejunto, no
lugar da Tojeira, a 4 kms do Vilar (virando à direita nesta povoação e passando
por Avenal e Pereiro). Para tal, deverá ter previamente contactado o Centro,
através do número de telemóvel 927986193. Trata-se de um “hospital” para
animais, criado pela Quercus e pela Junta de Freguesia de Vilar, destinado a
recuperar aves e outros animais da fauna portuguesa, sendo depois libertados em
sítios onde possam sobreviver sem a ajuda humana.
Agora que já conhece um pouco das
maravilhas do Montejunto, convide a família ou os amigos e sejam todos muito
bem-vindos.
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